Natal, magos, reis, rituais, purificação, ocultismo, dons, paganismo…Talvez essas palavras não tenham muito sentido juntas, porém algumas delas têm um significado cultural lógico, uma vez reunidas em uma base antropológica cristã, ou no contexto do Natal. No entanto, para além dessa tradição natalina, conhecida como Epifania ou festa da visitação dos Reis Magos a Jesus, existe toda uma cultura antiga, advinda dos antigos cultos helenísticos, e que se propagou através dos antigos romanos e dos povos celtas, até os dias atuais. Ao longo dos séculos, essas “palavras” reuniram-se numa única celebração ou lenda e ganharam um forte sentido festivo e histórico,
que se resumiu em Befana.
Befana é celebrada hoje em toda Itália. Está intimamente ligada ao Natal e ao início do ano, assim como à propagação de dons e presentes para as crianças, quase como a tradição do Papai Noel.
Befana é celebrada hoje em toda Itália. Está intimamente ligada ao Natal e ao início do ano, assim como à propagação de dons e presentes para as crianças, quase como a tradição do Papai Noel.
Mas o que
seria essa Befana?
Conta-se
que uma pobre e solitária velha que viveu milênios atrás, sempre se ocupava dos afazeres domésticos e não realizava outro tipo
de atividade a não ser aquela ligada ao cuidado e à limpeza de sua casa. Ela era sempre
ocupada. Um dia, soube da presença de uns homens sábios no pequeno
vilarejo onde morava, que procuravam ajuda para encontrar um lugar especial.
Esses homens foram de casa em casa em busca de uma resposta, pois precisavam
encontrar o lugar onde também se encontrava uma criança especial, um
pequeno Rei. Por fim, os
homens chegaram à casa daquela velha, que por sua vez não os pode atender, quão
grande a quantidade de serviços que havia. Eles disseram a ela que deveriam
achar o lugar onde estava um pequeno Rei e que gostariam de que os ajudasse, mas ela
simplesmente negou. Aqueles homens sábios, mais tarde conhecidos como Reis Magos, seguiram viagem. A pobre velha, então muito
arrependida, no dia seguinte resolveu ir atrás dos magos,
com muita pressa, mas não obteve o êxito em encontrá-los. Dessa forma, a lenda ensina que todos
os anos, na noite entre 5 e 6 de janeiro, a velha,
montada em uma vassoura, voava e distribuía presentes a todas as crianças da
região, pensando assim que alguma delas seria o tal pequeno Rei.
Pequena ilustração da lenda da Befana com os Magos.
http://labefanafestas.blogspot.it |
Com o passar dos séculos, a velha
ficou conhecida como Befana, que deriva da palavra grega befanìa, termo oriundo de outra palavra mais conhecida, Epifania.
Epifania
significa manifestação, assim como sua origem grega em epifàneia - manifestação do divino, aparição. É, portanto, uma festa cristã celebrada doze dias depois do Natal e que está ligada à
antiga tradição dos Reis Magos os quais
reconheceram a divindade de Jesus, exaltando-o com os
famosos presentes: ouro,
incenso e mirra.
ORIGEM E TRADIÇÃO
Conforme
a lenda, a Befana está em uma busca eterna pelo menino
Jesus. Sempre consigo traz dons para presentear as boas crianças, e carvão,
para as que fossem malvadas durante o ano. Os dons seriam bondade, alegria,
inteligência e também materiais, como brinquedos, livros, doces. Por isso, toda
noite de 5 de janeiro, as crianças deixam meias penduradas nas janelas ou
chaminés para que, na manhã seguinte, lá encontrem depositados
seus presentes. O dia de Reis ou da Epifania - 6 de janeiro- dessa maneira,
possui um significado a mais para certas regiões do mundo[1] , sobretudo para a
península itálica. É, portanto, um paralelo com a festa natalina e a
figura do velho Noel e sua tradição “americana”. Contudo, muito ao contrário do bom velhinho, a Befana é uma
figura um tanto grotesca, com uma aparência bruta: suja, cabelos maltratados, roupas velhas, e que voa com sua vassoura, carregando sempre um
pouco de carvão para as crianças malvadas, tratando-se de uma alusão ao seu
triste destino por ter negado a manifestação de Jesus através dos homens sábios.
Ao mesmo tempo, é uma personagem querida pelos presentes que traz
consigo: não é essencialmente
maldosa, pois também reconheceu que errou e se arrependeu. Sua figura, então,
possui uma áurea mística entre a paz, a alegria e o aterrorizante.
“A vassoura de La Befana é mais do que apenas o transporte prático – ela também vai arrumar uma casa bagunçada e varrer o chão antes que ela parta para sua próxima parada. Esta é provavelmente uma coisa boa, uma vez que Befana deixa um pouco de fuligem ao descer chaminés, e é apenas educada para limpar depois de sujar. Ela pode encerrar sua visita, entregando-se ao copo de vinho ou prato de comida deixados pelos pais como agradecimento”
http://desocultando.com.br/lenda-de-la-befana
A
representação folclórica da Befana provém da passagem do antigo para o novo: é uma velha, como o ano velho que se findou, a trazer os dons, a
novidade para o ano que se inicia. Na antiga cultura romana, a Befana é também associada à deusa Diana, deusa lunar, não só
ligada à caça, como também à vegetação, ao fecundo, ao novo. Sua origem remete
a períodos entre os séculos X e VI a.C, aproximadamente,
quando os ritos ditos pagãos eram sempre conectados com a vegetação, a
agricultura, a natureza. Era fortemente relevante a observação dos ciclos de
cada estação, para que a boa colheita renascesse juntamente com o novo ano.
Cultuava-se, portanto, a fecundidade, por povos como os celtas –
através da purificação em estranhos ritos, cujo objetivo era queimar animais e
prisioneiros de guerra- e pelos antigos adoradores do Mitraismo e Zoroastrismo, os quais acreditavam que trabalho e valorização do
ambiente eram extremamente importantes. A natureza deveria ser bem observada e
preservada enquanto ponto central para o desenvolvimento de suas práticas[2].
A figura
da Befana assume, então, um importante papel como referência entre
céu e terra, para as culturas pagãs e pré-cristãs, e “invade” aos poucos os festejos religiosos, sempre ligados à força da natureza. Foram os antigos romanos que amalgamaram esses festejos ao
seu calendário em que durante “a décima segunda noite depois do
solstício de inverno, celebrava-se a morte e o renascimento através da mãe natureza”[3] .
A partir da baixa Idade Média, a Igreja de Roma condena ritos de natureza pagã, definindo-os como de origem satânica, e a
Befana seria então personificada na figura da bruxa com sua vassoura e
todo aspecto negativo a ela (injustamente) associado. A antiga figura feminina pagã, como a bruxa, foi com o tempo, e muito demoradamente, tolerada pela
cristandade, mas sempre possuiu o
dualismo de bem e mal, como aparentemente está representado na figura da Befana.
Na
realidade, como já se sabe, a lenda da Befana não se trata da história de
uma velha
maldosa, mas sim afetuosa, que traz a
vassoura como símbolo de limpeza e purificação.
Representação tradicional da Befana.
Foto: divulgação
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Somente em
meados do século XX, as festividades da Befana foram introduzidas
oficialmente pelo regime
facista. A festa,
contudo, continua atualmente e é permeada
por diversas representações da pobre velhinha e de presépios vivos.
FESTA MODERNA
Tradicionalmente,
a piazza
Navona e a Via della
Conciliazione são os locais dos festejos oficiais da Befana em Roma. Todo dia 6 de janeiro, desde a manhã, são realizados cortejos com
pessoas fantasiadas: a
concentração maior está na Praça Navona, onde são construídos os mercadinhos de
Natal, além de grupos de artes de estrada que animam a festa com as crianças, afinal, é o dia da Befana! O cortejo também ocorre num trajeto da via principal que liga o Castelo de
Sant'Angelo até a praça São Pedro. Enfim, esse é sempre um dia muito esperado pelas crianças italianas. Uma curiosa e rica celebração
latina.
Ator fantasiado de Befana, durante festejos na Piazza Navona.
Foto: divulgação
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Cortejo històrico na Piazza San Pietro.
Foto: divulgação
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Brinquedos vendidos no merdaco de Natal, na Piazza Navona.
REUTERS/ Alessia Pierdomenico
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Befana na Piazza San Pietro.
Foto: divulgação
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Tradicional cortejo da Epifania, na Piazza Navona.
Foto: divulgação
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Via della Conciliazione que liga San Pietro ao Castelo de Sant'Angelo.
Foto: divulgação
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A Piazza Navona: centro dos festejos do dia da Epifania.
Foto: divulgação
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SITES IMPORTANTES:
http://www.desocultando.com.br/lenda-de-la-befana
[1] Além da Itália o culto da Befana existe em outras partes do mundo:
da Persia à Normandia, da Russia à Africa do Norte, mas sempre è uma figura boa
e generosa"
(http://www.settemuse.it/costume/costume_befana.htm)
(http://www.settemuse.it/costume/costume_befana.htm)